OIIIIIIIIIIIIIIII!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Quero agradecer a todos vocês. Sem vocês eu não teria motivos para escrever. Espero que continuem acompanhando meu trabalho. Não esqueçam de dar a nota e comentar. Beiiiijoooossssssssss!!!!!!!!!!!!!!
***
A madrugada ainda acariciava o céu com seu manto escuro quando Romeu abriu os olhos. O frio da manhã penetrava a lona da tenda, mas ao seu lado, o calor do corpo de Julius era o abrigo perfeito contra o mundo lá fora. Romeu ficou imóvel, observando o amado dormir com a serenidade de um anjo caído no campo de batalha. Cada linha do rosto de Julius, suavizada pelo sono, parecia esculpida com carinho por algum deus da beleza. O guerreiro sentia o coração aquecido, como se aquele instante fosse eterno, como se todo o caos da guerra e da missão desaparecesse no silêncio daquela respiração tranquila.
O sol ainda não havia surgido, mas a penumbra suave do alvorecer começava a tingir de azul pálido o interior da tenda. Romeu deixou escapar um sorriso ao ver os primeiros movimentos do outro. Julius despertava, lentamente, como quem retorna de um sonho bom. Ao abrir os olhos e encontrar o olhar apaixonado de Romeu, sorriu.
— Bom dia. — Sussurrou, com a voz ainda embargada de sono, tocando o rosto do guerreiro.
— Bom dia, dorminhoco.
— Ontem foi incrível. — Os dois disseram ao mesmo tempo. Um segundo de surpresa, seguido de risos baixos e cúmplices.
— Você é incrível. Amo tudo em você. Agora ainda mais. Vamos fazer uma promessa? — Romeu pediu, tocando no colar que Julius sempre carregava.
— Qual? — Indagou Julius, já intrigado, mas com os olhos brilhando.
— Pega no meu. — Disse Romeu, estendendo o próprio colar, de pedra azulada pendurada por um fio de couro trançado.
As mãos de Julius se entrelaçaram às de Romeu, os dedos se tocando com uma ternura que contrastava com o mundo cruel que os cercava. No exato momento em que ambos seguraram os colares, uma luz dourada brotou entre eles, suave e quente como o sol de verão. Não viram, mas a luz os envolveu, iluminando a promessa que selavam.
— Se essas coisas forem mágicas mesmo, eu acredito que nada vai nos separar, Julius. Se porventura alguma coisa acontecer... nós vamos nos encontrar de novo. Eu prometo. Eu sempre voltarei para você.
— E eu sempre voltarei pra você, amor. — Afirmou Julius, apertando o colar como se selasse o destino com a própria alma.
Um beijo selou o pacto, lento e carregado de emoção. Do lado de fora, a neve derretia levemente sob os primeiros raios do sol, como se a natureza se curvasse diante da força daquele amor.
O acampamento acordava aos poucos. A noite anterior tinha sido uma pausa doce em meio ao caos, mas agora, o silêncio da manhã pesava como um lembrete do que estava por vir. As mochilas foram fechadas sem alarde, as tendas dobradas com parcimônia. O vento gelado soprava, levando consigo palavras não ditas e olhares silenciosos entre os membros do grupo.
Bartolomeu e Clarissa trabalhavam juntos em apagar a fogueira. Usavam neve para sufocar as brasas, e cada gesto parecia carregado de uma intimidade silenciosa. O rapaz, filho mais velho de Celdo, olhava para Clarissa com olhos que nunca ousaram encarar a guerra com tanto medo quanto agora encaravam o amor.
— Respira, Bartolomeu. — Disse Clarissa, sorrindo, ao notar a tensão do guerreiro. Com delicadeza, limpou um floco de neve do rosto dele.
— Isso. Acho que isso eu sei fazer. — Respondeu ele, respirando fundo, tentando não se perder no castanho quente dos olhos dela. — Tudo bem. Clarissa... caso nós saiamos vivos dessa desventura... gostaria de ser minha namorada? Eu terei prazer em pedir sua mão para o seu pai.
Clarissa ficou tão surpresa que seus pés se ergueram do chão — literalmente. Por um instante, levitou, assustada e encantada, mas Bartolomeu a puxou de volta com um gesto rápido e protetor.
— Isso é um sim?! — Ele perguntou, tentando interpretar o momento.
— Claro. — Aceitou ela, beijando-lhe o rosto. — Eu sempre esperei por esse momento.
Dentro da tenda, Mitty despertava com o corpo pesado e os sentidos ainda lentos. A poção de Cen tinha sido forte demais. As palavras de Klaudo ecoavam em sua mente: "Seu corpo levará um tempo para responder plenamente." Mas ali, naquele breve milagre de consciência, ele tentou dar os primeiros passos. E conseguiu.
Com esforço, mas conseguiu. E num impulso de alegria, tomou Catherine pela cintura e a beijou. Ela ficou imóvel por um segundo, os olhos arregalados. Então, envergonhada, fugiu da tenda.
Mas minutos depois, voltou. Com os olhos faiscando e a voz firme, deu um tapa no rosto do príncipe.
— Eu não sou uma qualquer, Mitty!
— Catherine, pare. — Pediu ele. — Pare, por favor.
Ela recuou, surpresa com o tom dele. Mitty deu um passo adiante e, com os dedos ainda trêmulos, tocou seu rosto.
— Eu vejo uma moça linda, inteligente e gentil. Que sempre me defendeu contra todas as situações. Eu quero casar com você. Esse tempo que nós passamos juntos me mudou, e queria que você acreditasse em mim.
— Não sou boa o suficiente para você. — Sussurrou Catherine, antes de sair correndo da tenda.
Mitty, sozinho, tocou os próprios lábios, onde ainda sentia o gosto do beijo.
— Que beijo...
Horas depois, o grupo lançou-se novamente à jornada. O céu já não era branco de neve, mas cinzento como ferro oxidado. O chão que antes crocava sob seus passos agora era duro, irregular, coberto por rochas, galhos secos e sinais de morte. Árvores esqueléticas erguiam os braços retorcidos em direção ao céu, como se pedissem clemência.
Klaudo caminhava à frente, lançando olhares atentos ao horizonte. Durante o trajeto, advertia os jovens sobre os limites dos poderes de Cen, lembrando-os de que nem toda magia é aliada — e que alguns dons cobram caro.
À medida que se aproximavam das montanhas de Kinopla, o ar se tornava mais denso, mais pesado, como se os próprios ventos carregassem presságios sombrios. O Castelo de Cen surgiu no horizonte, e era como uma ferida aberta no mundo.
Elevava-se no topo de um penhasco, cercado por nuvens escuras e relâmpagos que rasgavam o céu de tempos em tempos. As torres retorcidas apontavam como lanças negras, e a pedra com que fora construída parecia sugada de um abismo. Corvos voavam ao redor do castelo, em círculos, soltando grasnidos agourentos.
A luz do sol não tocava aquele lugar. Ali, o mundo parecia ter sido esquecido pelos deuses. E era para lá que eles iam — entre promessas de amor, corações partidos, esperanças frágeis e a coragem de quem não tem mais nada a perder.
O sol ainda mal havia tocado os muros gélidos da Fortaleza de Cen quando Bartolomeu reuniu seus companheiros. Estavam escondidos atrás de uma formação rochosa, cercados por vegetação retorcida e silenciosa, como se até mesmo a natureza temesse quebrar o clima de tensão.
Bartolomeu respirou fundo. Seus olhos, normalmente vibrantes, estavam carregados de gravidade e emoção. O peso do momento deixava suas palavras mais lentas, mas firmes.
— Companheiros... — Começou Bartolomeu, com a voz embargada. — Se estamos aqui hoje, é porque confiamos uns nos outros. Confiança não se compra, se constrói... e nós a construímos com suor, medo e coragem.
Os demais o escutavam em silêncio. Catherine segurava a mão de Clarissa, enquanto Klaudo mantinha os olhos atentos ao horizonte. Rúbia e Joziel, que raramente se mostravam vulneráveis, agora estavam mais contidos, como se a grandiosidade do momento os forçasse a introspecção.
— Cen está nos esperando. Ele sabe que viremos. — Continuou Bartolomeu. — Mas há algo que ele não sabe: o quanto estamos dispostos a ir até o fim. Não por glória, mas pelos nossos pais... e por justiça.
Os olhos de todos brilharam com essa lembrança. Lá, na torre mais alta da masmorra, com grades enferrujadas e janelas estreitas, estavam os que mais amavam.
Clarissa assentiu, apertando o medalhão em seu pescoço. Catherine se adiantou, segurando com força a bola de cristal envolta em um tecido escuro.
— Sem isso... — Disse ela com firmeza — Cen está cego.
Ela ergueu o objeto para os outros verem, seus dedos trêmulos contrastando com a firmeza em sua voz. — Precisamos agir rápido. Mas há um problema: a única pessoa que pode abrir a cela... é o próprio Cen.
— Os nossos pais estão naquela torre. — Apontou Catherine, os olhos marejados, fitando o ponto mais alto da fortaleza. A construção, sombria e retorcida, parecia ter sido moldada pelo próprio medo. As grades reluziam fracamente com a luz alaranjada do amanhecer.
Bartolomeu cruzou os braços e analisou o castelo de pedra cinzenta com olhos atentos. A estrutura parecia impenetrável, mas ele já sobrevivera a lugares piores.
— Somos seis. — Soltou Bartolomeu, com um brilho estratégico nos olhos. — Vamos nos dividir em duplas. Entramos pelos três lados ao mesmo tempo. Não damos chance para ele reagir.
— Perfeito. — Concordou Clarissa, erguendo o rosto como se uma ideia acabasse de pousar em sua mente. — Posso tentar voar até a torre e avisar os pais de vocês. Talvez eles possam convencer Cen a libertá-los.
Catherine, tomada por uma urgência súbita, segurou o ombro da amiga. — Eu posso fazer uma barreira invisível, mas vai durar apenas dois minutos. Você consegue?
— Consigo. — Clarissa sorriu, apesar do medo evidente em seus olhos. — Vou e volto.
A correria começou. Catherine e Klaudo, mergulhados no livro de feitiços, prepararam uma poção cintilante. O líquido borbulhava e reluzia, exalando um perfume floral com um fundo metálico. Clarissa bebeu de um só gole. Num piscar de olhos, desapareceu diante deles. Os garotos olharam para o espaço vazio, espantados.
Sob a forma invisível, Clarissa voou como uma flecha pelos ares. O vento golpeava seu corpo com força, e os corvos despertaram aos montes das árvores mortas, crocitando de forma quase profética. Era como se sentissem a presença de algo que não conseguiam ver.
Ela alcançou a torre. Lá dentro, três figuras sentadas no chão ergueram os olhos ao escutarem sua voz surgir do nada.
— Seu Celdo, Senhora Melody, Rei Nilo... sou eu, Clarissa. — A jovem quase não conseguia conter o tremor em sua voz. — Amiga dos filhos de vocês. Estamos prestes a atacar. Precisamos da ajuda de vocês. Não há tempo para perguntas.
Os três prisioneiros se entreolharam, atônitos. O choque da visita invisível deu lugar à total atenção.
— Como podemos ajudar? — Perguntou Melody, a voz doce endurecida pela experiência de quem já enfrentara dias piores.
Clarissa entregou um pequeno apito metálico nas mãos de Celdo. — Catherine disse que ouviria esse chamado de qualquer lugar. Quando chegar a hora, sopre isso. Ela estará escutando.
Com um último aceno invisível, Clarissa desapareceu na janela, lançando-se de volta aos céus. A poção começava a perder efeito. Ela pousou nos arredores do castelo, ofegante, segundos antes de tornar-se visível novamente.
Enquanto isso, na escuridão abafada da masmorra, Cen, o feiticeiro cego, caminhava em sua ronda. Seus passos ecoavam como preces fúnebres pelas escadas de pedra. Na cela central, Celdo o esperava.
— A culpa é minha, não é? — Perguntou Celdo em voz baixa, mas clara.
Cen parou, farejando o ar como um animal ferido. Algo o inquietava. Mas se aproximou, encarando a cela, sem nada enxergar além das sombras internas de sua própria mente.
— Cale-se. — Soltou com frieza, mas a raiva vinha misturada com mágoa.
— Deixe-me te ajudar. — Celdo esticou as mãos pelas grades. — Podemos tentar reverter isso. Dê-me sua mão.
O silêncio caiu como uma neblina espessa. Por um instante, o mundo inteiro pareceu segurar o fôlego.
— O quê? — Cen questionou, desconfiado.
— Apenas... me dê suas mãos. — Insistiu Celdo. Seu tom era tão genuíno que por um instante o tempo voltou a ser como antes.
— Celdo. — Cen estendeu os braços. — Se tentar alguma coisa, eu juro... eu como o coração dos seus filhos. — Rosnou ele, mas suas mãos tremiam.
— Está vendo? Eu sou o mesmo Celdo de antes. Ainda podemos tentar...
O toque das mãos foi quase poético — um passado doloroso se reencontrando no presente. O amor e o ódio dançavam entre os dedos deles.
— Abra os braços. — Pediu Celdo, suave.
O coração de Cen vacilou. Um homem destruído pelo rancor, mas ainda humano. Ele abriu os braços, num gesto contido de esperança. O abraço aconteceu. Aquele instante seria lembrado como um eco entre o amor negado e o ódio cultivado. Mas então...
— AGORA! — Ordenou Celdo com desespero, e se jogou com o inimigo escada abaixo.
O som dos corpos caindo ressoou como trovões na masmorra. Lá em cima, Melody, em choque, soprou o apito com toda a força de seus pulmões. O som metálico cortou o ar, alcançando Catherine em segundos. O sinal. Bartolomeu fez um gesto com a cabeça. Cada dupla correu em direção a um lado do castelo. Do chão, onde a terra parecia morta, mãos ósseas começaram a surgir. Esqueletos. As criaturas necromânticas de Cen despertavam. A guerra havia começado.
O som apressado dos passos ecoava pelas escadas de pedra. As chamas das tochas nas paredes tremulavam com a corrente de ar que descia junto com Rei Nilo e Melody. O castelo, envolto por um silêncio sombrio, parecia conter a respiração. Cada degrau que desciam fazia o coração de Melody bater mais rápido. O nome de Celdo pulsava em sua mente como um grito preso.
Mas, ao chegarem ao salão de entrada, o mundo desabou por um instante.
O corpo de Celdo foi arremessado contra a porta principal com violência, como uma marionete sem vida. Ele bateu com força na madeira e caiu inerte no chão de pedra. O som surdo do impacto fez Melody sufocar um grito.
— Celdo! — Ela correu até o esposo, caindo de joelhos ao seu lado, com os olhos marejados. As mãos trêmulas o ajudaram a se erguer enquanto o sangue dele manchava suas vestes. — Fique comigo... por favor.
Os olhos de Rei Nilo, outrora serenos, agora ardiam em fúria. Um fogo ancestral despertava em seu peito. Com um gesto firme, ele evocou seu guardião. Um clarão iluminou o salão, e Lin surgiu diante dele, silencioso como um espectro.
Cen apareceu logo atrás, envolto por uma aura pútrida de magia verde. Seus olhos brilharam com malícia ao apontar para os prisioneiros.
— O castelo está sob ataque. — Anunciou com um sorriso torto.
Nesse momento, a porta foi arrombada e duas figuras entraram em meio à poeira e à luz do amanhecer que se infiltrava. Eram Bartolomeu e Clarissa. O jovem sentiu o peito se aquecer ao ver os pais e o rei. Mas a alegria durou pouco. A presença de Lin e Cen se impôs como uma sombra. Eles estavam diferentes... mais sombrios, mais letais.
— Eles são seus, Lin. Mate todos! — Exclamou Cen, desaparecendo numa cortina de fumaça verde que se espalhou como veneno no ar.
Lin ergueu-se, agora sozinho. Seus olhos brilhavam com algo entre o desprezo e o pesar. Retirou a espada das costas e apontou para os recém-chegados.
— Então vocês querem destruir o meu criador? — A voz saiu grave, carregada de dor contida.
— Vá. — Mandou Clarissa, já sacando sua espada. — Ajude seus pais.
— Ok. — Bartolomeu respondeu com um aceno e passou por Lin, sentindo o olhar penetrante da criatura pousar em Clarissa.
— Você sabe que o seu dono quer destruir o mundo, não sabe? — Questionou ela, com firmeza na voz e os pés posicionados para o combate.
— Eu não sou o Klaudo. Sou fiel a quem me criou.
O grito que Lin soltou foi mais animal do que humano. Um uivo de fúria, dor e fidelidade cega. Ele avançou sobre Clarissa com velocidade brutal. Espada contra espada, magia contra instinto. Ela desviava com precisão, seus movimentos como dança letal, as mãos brilhando com a energia do vento e da luz.
Enquanto isso, Bartolomeu corria pelos corredores do castelo até encontrar os pais e o rei. Seu coração quase parou ao ver Celdo ferido, mas ele se ajoelhou ao lado do pai e o ajudou a se levantar. O abraço foi curto, mas apertado — um momento roubado da guerra.
— O Cen ainda está aqui! — Avisou Melody, ofegante. O ar ao redor deles parecia tremer com a presença do feiticeiro.
— Meu filho! — Gritou Celdo ao ver uma bola de fogo se formar. Num impulso, empurrou Bartolomeu e recebeu o ataque no lugar dele.
O impacto jogou Celdo para trás. Ele caiu, o corpo inerte, a pele marcada pelas chamas. Bartolomeu gritou, mas a dor foi engolida pelo som cruel da risada de Cen, que surgiu por trás deles como um vulto.
— Vocês são fracos! — Zombou o feiticeiro, erguendo mais uma esfera de fogo.
— É a vez do primogênito! — Berrou, lançando a bola na direção de Bartolomeu.
— Nãoooo! — Um grito agudo rasgou o ar quando Klaudo, pequeno mas destemido, saltou entre o jovem e a morte.
O impacto fez o corpo do monstrinho tremer. Mas, diferente de Celdo, Klaudo absorveu o poder, e seus olhos se iluminaram com a mesma energia de seu criador. Num gesto final, ele devolveu o ataque. Um raio de pura força arcana atingiu Cen, que foi arremessado contra a parede, cambaleando.
Bartolomeu correu até Klaudo. O corpo do pequeno guerreiro jazia sobre as pedras frias, enfraquecido, desintegrando lentamente.
— Klaudo... eu sinto muito. — As lágrimas caíam, misturando-se com a poeira mágica no chão.
— Boa sorte. Foi um prazer... ter ajudado vocês. — Sussurrou Klaudo com um sorriso tênue antes de desaparecer numa nuvem verde que se desfez no ar como um último sopro de esperança.
— Isso não vai ser em vão! — Gritou Bartolomeu com a voz embargada pela dor. Seus olhos queimavam com determinação. Ele desembainhou a espada e partiu contra Cen, que já se erguia, ainda rindo, agora com sangue escorrendo do rosto.
O confronto foi brutal. Bartolomeu usou as colunas, as sombras e até os destroços ao seu favor. Um guerreiro inteligente, moldado pela dor. Melody, por mais que desejasse lutar ao lado do filho, sentia seus poderes frágeis — como se algo os drenasse aos poucos.
Com um movimento preciso, Bartolomeu cortou o rosto de Cen. Um risco fundo abriu-se na bochecha pálida. Um sangue verde viscoso escorreu como veneno, e o feiticeiro soltou uma gargalhada sombria ao passar os dedos no ferimento.
— Idiota. Seus poderes nem se comparam aos meus. — Sibilou Cen, desaparecendo e surgindo logo atrás do jovem. Seus dedos como garras envolveram o pescoço de Bartolomeu.
— Filho! — Gritou Melody, o grito ecoando pelo salão como um apelo desesperado.
O destino do jovem guerreiro agora dependia não só da força... mas da fé em tudo que havia aprendido — e de todos os sacrifícios feitos até ali.
***
Do lado de fora do castelo de Cen, o mundo mergulhava no caos. Do chão, das sombras, das árvores retorcidas e até do céu cinzento, criaturas hediondas emergiam aos milhares. Eram monstros de formas indescritíveis, liderados por esqueletos de olhos brilhantes e ossos ressoando como tambores de guerra. O ar estava impregnado de enxofre e medo.
Mitty, Catherine, Julius e Romeu corriam por entre os destroços e corpos, buscando desesperadamente uma entrada para o castelo. Cada passo era um desafio, cada esquina, uma emboscada. Mas o tempo era inimigo — e Clarissa precisava deles.
Dentro do castelo, os salões ecoavam com os sons de um combate feroz. Clarissa e Lin — a última e mais selvagem criatura de Cen — se enfrentavam com a fúria de dois mundos colidindo. Lin, metade humana, metade lobo, tinha olhos que ardiam como brasas e uma respiração pesada, animalesca. Clarissa, suada e ferida, ainda segurava firme a espada. Nenhuma das duas queria admitir o cansaço. Ambas se recusavam a cair primeiro.
O confronto as levou até a antiga sala de jantar, onde a luz da lareira lançava sombras dançantes nas paredes enegrecidas. As chamas crepitavam como um coro sombrio, acompanhando os batimentos acelerados do coração de Clarissa. Ela pensava nos amigos, em Bartolomeu, em Framon. Não podia deixar ninguém preocupado. Não agora.
A guerreira atacou em sequência, numa investida desesperada por uma brecha. E achou. A lâmina cortou o braço de Lin, fazendo jorrar um sangue escuro e espesso.
— Sua maldita! Vai me pagar bem caro! — Gritou Lin, rangendo os dentes enquanto lançava a espada longe e corria como um animal enfurecido.
Num salto, ela empurrou Clarissa com fúria para a direção da lareira. O calor lambeu o rosto da jovem, mas ela foi mais rápida. Rodopiou, segurando-se no batente da lareira, enquanto Lin passou direto e caiu sobre as brasas vivas. A criatura gritou, uivou, tentou se levantar, mas Clarissa, com um grito de dor e força, baixou a grade de proteção de ferro. O destino de Lin estava selado entre chamas.
Lá fora, o caos ganhava novas formas. As criaturas pareciam brotar de todos os cantos, avançando sobre os jovens guerreiros. Catherine, pressionada, ergueu o livro antigo e conjurou um feitiço de proteção. Um campo mágico envolveu o grupo, afastando os esqueletos por alguns instantes preciosos. Julius e Romeu quebraram janelas com suas espadas, abrindo caminho. Mitty, com olhos atentos, disparava flechas certeiras, derrubando os inimigos que ameaçavam se aproximar demais.
Quando finalmente atravessaram os portões do castelo, Catherine reforçou a barreira mágica, selando-os dentro do covil de Cen. Do lado de dentro, trovões mágicos ecoavam pelos corredores. O feiticeiro gargalhava enquanto esmagava Bartolomeu contra o chão.
— Se despeça de sua família, garoto — Rosnou Cen, com as garras presas ao pescoço do jovem.
— Ei! — Chamou Catherine, invocando uma bola de fogo incandescente. — Solta o meu irmão!
A esfera explodiu contra Cen, forçando-o a largar Bartolomeu. O feiticeiro cambaleou, olhos arregalados. Pela primeira vez, viu nos jovens uma ameaça real — e na nova feiticeira branca, um verdadeiro desafio.
Num voo veloz, Clarissa surgiu e resgatou Bartolomeu, levando-o aos demais. O garoto estava machucado, a armadura amassada, o rosto ensanguentado. Mas vivo.
— Vejo que estão todos reunidos. — Ironizou Cen, caminhando em meio às chamas mágicas que nasciam do chão. — Que a festa comece.
A batalha final teve início. Todos atacaram ao mesmo tempo, mas Cen se movia como uma sombra. Era rápido, letal. Nenhum golpe parecia surtir efeito. Bartolomeu, mesmo ferido, reuniu forças e pediu a Clarissa que protegesse seus pais e Nilo. Ela hesitou, mas obedeceu.
— Vai ser mais difícil do que parece. — Murmurou Mitty, preparando uma flecha.
— Tá desistindo?! — Provocou Julius, forçando um sorriso.
— Jamais. — Respondeu o príncipe, apontando para o enorme lustre no teto. — Mas talvez... isso funcione.
Enquanto os guerreiros cercavam Cen, Bartolomeu correu na direção do inimigo sem atacá-lo — uma distração. Julius aproveitou, atacando com precisão. Sua espada cortou o braço do feiticeiro, liberando um sangue verde e viscoso. Em resposta, Cen lançou Julius contra a mesa com um gesto brutal.
— Amor?! — Romeu ficou em alerta, correndo em sua direção, os olhos marejados.
— É mesmo... — Lembrou-se Cen com um sorriso cruel, paralisando a todos com um gesto. — Temos um casal aqui.
Ele caminhou até Romeu, ergueu as garras e cortou o rosto do jovem, que gritou de dor.
Julius, imóvel, chorava. As memórias o invadiam: os beijos, as noites juntos, a promessa silenciosa de amor eterno. E foi essa lembrança que quebrou a prisão sombria. Ele se levantou com dificuldade, os músculos ainda doloridos, e correu para proteger Romeu. A espada atravessou as costas de Cen.
— Como assim?! — Balbuciou o feiticeiro, em choque, ao ver o sangue verde jorrar.
Todos foram libertos da paralisia. Romeu, sem hesitar, desferiu um golpe no peito do inimigo. A lâmina cortou com precisão cirúrgica.
— Ah, Cen... — Soltou Catherine, com um olhar frio. — Obrigado pela dica.
Ela conjurou um feitiço gelado. O corpo de Cen congelou lentamente, começando pelos pés. Gritando, ele tentava quebrar o gelo, mas era tarde demais.
— Agora, Mitty!
Mitty beijou a flecha com reverência. Era o momento. O fim ou o começo. Ele a disparou. A flecha cortou o ar e acertou o lustre, que balançou no teto ornamentado. Clarissa voou em disparada e, com um chute certeiro, derrubou o lustre sobre o feiticeiro congelado.
O impacto ecoou por todo o castelo. Cen caiu, gemendo, chorando, gritando palavras desconexas. Sua pele começou a se desprender como casca velha. Seus olhos mudaram. Por um breve instante, havia humanidade ali.
— Malditos!!! — Rugiu, antes de desaparecer em uma nuvem densa de fumaça verde.
Silêncio.
— Conseguimos? — Perguntou Bartolomeu, com a espada ainda em riste, esperando o próximo golpe.
Ninguém respondeu. Mas todos sabiam a resposta. Não havia mais gritos. Apenas o som distante das chamas, o eco da esperança — e o gosto amargo da vitória.
A fumaça começou a dissipar lentamente, como se o ar da própria sala estivesse exausto após a batalha. O grande salão do castelo de Framon, antes iluminado apenas por labaredas vacilantes e sons de conflito, mergulhou em um silêncio desconcertante. O cheiro de carvão e ozônio ainda pairava no ar. Sob os destroços do lustre principal, jazia a túnica cinza de Cen, como uma serpente abandonando a pele após a metamorfose. Por um instante, ninguém se moveu. Os olhos de todos fixaram-se naquele tecido solitário.
Então, como se um feitiço tivesse sido quebrado, os guerreiros começaram a se entreolhar, a respiração presa aos poucos sendo liberada em risadas nervosas e suspiros de alívio. Havia sorrisos. Abraços começaram a se formar. O mal havia sido derrotado — ou assim pensavam.
Catherine, ainda com o rosto sujo de fuligem, aproximou-se da janela mais próxima. Suas mãos tremiam levemente ao abrir a pesada cortina de veludo. Ao escancarar as folhas de vidro, ela prendeu a respiração: do lado de fora, os campos que circundavam Kinopla estavam livres. Nenhuma caveira à vista. Mais impressionante que isso, o céu, normalmente cinzento e encoberto naquela região, exibia agora um sol pálido, mas presente. Era como se a própria terra respirasse pela primeira vez em décadas.
— Eles trabalharam em equipe. Eles conseguiram. — Afirmou o Rei Nilo, com a voz embargada, um raro sorriso de orgulho rasgando seu semblante sempre austero.
Mitty, com os olhos marejados, atravessou o salão e se lançou nos braços do pai.
— Papai... — Soluçou. — Me desculpe por todas as besteiras que fiz... Eu juro que vou te dar orgulho. Eu juro.
O Rei o acolheu com firmeza e ternura.
— Meu filho... você mostrou seu valor. Você será coroado o novo rei de Framon. — Declarou, encostando os lábios na testa suada do jovem.
Melody gritou, o coração explodindo de emoção.
— Meus filhos!
Ela correu até Bartolomeu e Catherine, apertando-os contra si com desespero de mãe que quase os perdeu. Os três se enroscaram em um abraço forte, sem palavras, apenas lágrimas e gratidão.
Celdo, que até então parecia paralisado, não resistiu. Caiu de joelhos, os olhos marejados, estendendo os braços para a família que ainda estava de pé.
— Filhos... — Sussurrou, com a voz quebrada pela emoção.
Mas nem todos estavam ali para compartilhar aquele momento de vitória. Romeu e Julius, já longe dos aplausos e abraços, haviam deixado discretamente o salão. Para eles, a missão estava encerrada. O próximo destino os chamava: Costa Estrela, onde a paz e o futuro os aguardavam.
Diante da grande porta de carvalho do castelo, sob a luz dourada que agora banhava Kinopla, eles se olharam. O silêncio entre eles era carregado de significado. Romeu estendeu a mão. Julius a segurou com firmeza. Um sorriso mútuo se formou, pequeno e verdadeiro. Mas antes que pudessem dar o primeiro passo rumo à liberdade, uma explosão ensurdecedora ecoou atrás deles.
O castelo estremeceu. Ambos se viraram de súbito e correram de volta pela entrada do castelo. Ao entrarem no salão, encontraram o pior pesadelo possível: amigos, família, guerreiros — todos estavam caídos, desacordados, espalhados entre os escombros.
— O que aconteceu?! — Gritou Julius, ajoelhando-se ao lado da mãe, verificando rapidamente sua pulsação. — Estão vivos!
Melody recobrou a consciência primeiro, os olhos marejados pela dor e pela confusão.
— Filho... o que foi isso?
Os demais começaram a despertar lentamente, ainda sem entender o que os havia atingido. Mas Julius não conseguia se concentrar nas palavras da mãe. Seus olhos cruzaram com os de Celdo. Por dentro, algo se partiu. As palavras duras que o pai havia dito dias antes retornaram com o peso de uma lâmina. A mágoa tomou seu peito como veneno lento.
— Filho, eu...
— Não se preocupe, Celdo. — Respondeu Julius, tentando manter a compostura. Sabia que não estava tudo bem, mas não queria falar mais nada. — Vamos, Romeu.
— Filho...
Antes que mais pudesse ser dito, uma rajada de vento varreu o salão. Uma nuvem verde e densa surgiu do nada, se formando no centro da sala com violência. Os guerreiros se levantaram às pressas, instintivamente pegando suas armas. O ar ficou rarefeito. A cortina do tempo parecia rasgar-se ali.
— O que está acontecendo?! — Gritou Celdo, lutando para manter os olhos abertos.
— Eu aconteci! — Rugiu uma voz vinda de todas as direções ao mesmo tempo.
Era Cen. Ou, ao menos, o que restava dele. De seu corpo físico, nada havia. Mas a sua alma — corrompida, vingativa, indomável — condensara-se em uma forma sem feições, feita de fumaça verde e escuridão viva. A silhueta flutuava, humana apenas em contorno, e ainda assim terrivelmente ameaçadora. Bastou um gesto, e Catherine, Bartolomeu, Clarissa e Mitty foram arremessados como folhas secas, caindo inconscientes.
— Como vamos enfrentar uma nuvem de fumaça? — Perguntou Romeu, com a voz tensa e os olhos cravados naquela entidade impossível.
Julius se ergueu, os olhos em chamas, o peito carregado de propósito.
— Vamos lá, Romeu, a gente consegue. Conquistar.
— E avançar! — Completou Romeu, correndo ao lado do namorado.
A colisão foi brutal.Eles tentavam atingir a criatura com chutes e golpes, e por instantes, parecia que seus ataques faziam algo. Mas o corpo nebuloso de Cen regenerava-se a cada segundo. Era como socar uma tempestade.
Romeu conseguiu atingir o que seria o "pé" da criatura, que desfez-se com o impacto — mas cresceu novamente, em questão de segundos.
Então, algo ainda pior começou a se formar. No centro do salão, os ventos se uniram em espiral. Um tornado nasceu diante dos olhos de todos. Móveis, pedras, estandartes e pedaços do teto começaram a girar no ar. O caos reinava.
Celdo correu, protegendo o Rei Nilo no último segundo, antes que uma mesa esmagasse ambos contra a parede. A batalha estava longe de terminar. Cen, agora mais sombra do que ser, riu com um som que não parecia humano. E o destino de Framon, novamente, pendia por um fio de coragem.
O chão do salão real estava frio como gelo e coberto de destroços, o eco distante dos gritos e das batalhas ainda vibrava nas paredes rachadas. A fumaça negra da criatura de Cen ainda pairava no ar, densa, sufocante. Melody, com os olhos semicerrados e o corpo exausto, arrastava-se pelo chão de pedra, suas mãos trêmulas procurando com urgência. Seus dedos finalmente tocaram uma das flechas de Mitty, e, mesmo com a visão turva, ela invocou as últimas reservas de sua magia ancestral.
Um brilho suave emergiu de suas palmas, envolvendo a flecha com uma luz prateada, pura e intensa, contrastando com a escuridão ao redor.
— Príncipe... — Murmurou com a voz fraca, porém firme. — Sua flecha está abençoada. Use-a contra o Cen, por favor...
Mitty segurava o braço direito, ensanguentado, os dedos mal respondiam. O peso do dever esmagava seus ombros. Ele mal conseguia se manter de pé até que sentiu um apoio forte ao seu lado.
— Você não está só. — Disse Bartolomeu, apertando o ombro do príncipe com firmeza.
Clarissa e Catherine se aproximaram com semblantes determinados. Catherine olhou fundo nos olhos de Mitty.
— O Julius e o Romeu não vão aguentar por muito tempo. Mitty, acreditamos em você.
— Você consegue, Mitty. — Completou Clarissa, segurando sua mão por um breve momento.
Diante deles, Julius e Romeu enfrentavam a criatura sombria com tudo o que lhes restava. Julius se abaixou a tempo de evitar um golpe, e Romeu, com precisão felina, saltou por cima dele, atingindo a criatura com força.
— Filho. Você consegue! — Gritou Celdo com orgulho, mas sua voz desviou a atenção de Julius, que foi atingido por um soco brutal.
— Julius! Romeu! — Bradou Bartolomeu. — Segurem o monstro! Vamos lançar a flecha!
Sem hesitar, os dois guerreiros largaram as espadas e avançaram no corpo a corpo. Em meio ao caos, um pedaço da cortina esvoaçou. Romeu agarrou-o e o lançou sobre a criatura. A fumaça foi abafada e, finalmente, Julius e Romeu imobilizaram a besta.
O momento era breve. Mitty, guiado por seus companheiros, ergueu o arco com a flecha abençoada. Em um instante de união e coragem, Clarissa, Bartolomeu e Catherine ajudaram a mirar e disparar. A flecha voou, rasgando o ar com brilho divino, e atingiu o monstro que, aos gritos desconexos, explodiu em estilhaços de fumaça e magia corrompida.
O castelo tremeu como se protestasse contra o fim. Estalidos cortavam o chão, e pedras caíam do teto. Em reflexo, Bartolomeu abraçou Clarissa, Mitty correu para proteger o pai, e Catherine se posicionou ao lado dos seus.
Mas então... tudo congelou.
O tempo, o ar, os sons — tudo parou. O silêncio tornou-se insuportável. Um frio rastejou pela espinha dos presentes.
— Isso não acabou ainda? — Julius murmurou, de espada em punho, o suor escorrendo pela têmpora.
— Ainda não... — Respondeu a voz de Cen, sinistra, vindo de dentro da cabeça de cada um.
Não havia mais corpo, só a essência maligna. A última magia de um feiticeiro que se recusava a desaparecer.
— Vou matar o Rei... e o Príncipe.
Uma flecha vermelha, pulsante e lenta, surgiu no ar. Ela flutuava em direção a Mitty e Nilo, abraçados, paralisados. O tempo parecia se mover apenas para o mal.
Romeu e Julius investiram, mas foram repelidos por descargas elétricas. A flecha seguia, cruel, inevitável.
— Romeu... se eles morrerem, o Reino de Framon acabou. — Disse Julius, andando em círculos, em desespero.
— O que vamos fazer?!
— Eu te amo. — Afirmou Julius, num beijo doloroso, com os olhos cheios de medo.
— O que pretende fazer?!
— Alguém deve se sacrificar. — Sua mão tremeu ao tocar o rosto de Romeu.
— Você está louco?! Eu não vou permitir isso! — Romeu o abraçou, desesperado, já chorando.
— Nós chegamos tão longe... — A voz de Julius falhou, tentando se agarrar a alguma alternativa.
— A gente ia pra Costa Estrela... lembra? Esse era o plano. Morrer velhinhos... numa casa só nossa... — Romeu soluçou, recostando a cabeça no ombro de Julius.
— Um guerreiro precisa morrer com honra. — Julius tentava manter-se forte. — A flecha está se movendo...
— Cen?! — Bravejou.
— Um sacrifício... que belo final para os heróis. — Zombou o espírito do vilão.
— Não. Só eu!
— Foi feita para dois, querido...
Romeu soltou-se.
— Vamos. — Disse com calma, quebrando o coração de Julius.
— O quê?!
— Você e eu. Lembra?
— Você e eu... — Julius repetiu, os olhos marejados. Virou-se para os pais paralisados. — Pai, mãe. Eu amo vocês. Sempre amei. Desculpa por tudo.
Despediu-se dos irmãos com ternura, entregando-lhes a missão de cuidar da família. Em Bartolomeu, confiou a memória, a justiça e uma última promessa. Em Catherine, a esperança de um futuro mágico.
Romeu despediu-se de Bartolomeu com um pedido final.
— No meu quarto... uma sacola de moedas. Entregue aos meus pais. Foi o que pude fazer. Eu sei que não gosta de abraços, mas... — Romeu o envolveu, sentindo o choro do guerreiro silencioso.
Julius se voltou a Clarissa, seu último refúgio de carinho.
— Obrigado por sempre estar comigo. Diga à Cássia que vocês foram meu maior presente.
Mitty, ainda em choque, foi surpreendido por Romeu.
— Quem diria. Eu me sacrificando por você. Seja um bom rei. Ajude o povo. Foi uma honra.
A flecha estava próxima. Julius segurou o rosto de Romeu.
— Eu te amo. Desde a primeira vez que te vi.
— Você era um bebê... — Romeu deu uma risada triste. — Mas eu sabia, que no futuro você seria meu.
— Quando me encontrar de novo... vou saber que é você.
— Eu sempre vou saber.
A flecha encostou em Romeu. Ele apertou Julius, ignorando a dor, e falou sem parar, tentando eternizar os momentos, elogiar o homem que amava. Quando a flecha o atravessou, sua última memória foi o cheiro de Julius.
E quando perfurou Julius, ele gritou de dor. Seu coração despedaçado, mas sua alma completa ao lado de Romeu.
— Eu nunca vou te esquecer, meu amor!
A flecha se dissipou. O tempo voltou a fluir.
Mitty caiu de joelhos, a sala mergulhada em um silêncio sagrado. Bartolomeu correu, gritando, para os corpos dos irmãos. Celdo, em choque, pegou o filho nos braços.
— Meu filho... — Chorou como nunca chorara. — Você é um orgulho! Um orgulho! — Beijou sua testa como fazia quando ele era criança.
E assim, Framon venceu. Mas o preço da paz foi pago com sangue e amor.
***
O grande salão da Catedral de Framon, iluminado por vitrais coloridos que filtravam a luz da manhã, estava tomado por um silêncio reverente. As colunas de pedra pareciam pesar ainda mais naquele dia, como se o próprio templo lamentasse as perdas. Os bancos estavam cheios, mas não havia alegria. O arcebispo, trajando seus paramentos dourados, caminhou até o púlpito com passos contidos. Seus olhos, embora treinados na neutralidade, denunciavam o desconforto.
— Estamos aqui reunidos para homenagear dois guerreiros que fizeram um enorme sacrifício por nós. — Afirmou o arcebispo, a voz ressoando sob os arcos altos, contida pela solenidade e pelo peso da obrigação. Estava ali mais por respeito ao desejo do rei Nilo do que por convicção própria.
A vitória sobre Cen não trouxera festa. Era uma conquista banhada em lágrimas. Ninguém ousava sorrir — não depois da perda de Romeu Belline e Julius Mazzaro. A liberdade do reino fora conquistada ao custo de vidas preciosas, e a paz, agora conquistada, parecia pequena diante do vazio deixado por eles.
O velório, realizado nos jardins do Palácio de Framon, exalava a fragrância das flores do inverno tardio, que contrastava com o peso do luto. O rei Nilo, de expressão grave, havia feito questão de convidar pessoalmente a família Belline. Roman e Elizabeth chegaram de cabeça baixa, amparando-se um no outro. Eram gente simples do vilarejo das Tulipas — um dos poucos lugares poupados pelo feitiço de Cen —, mas a dor que traziam não era menor que a de reis.
Bartolomeu, emocionado e visivelmente mais envelhecido do que semanas atrás, aproximou-se do casal segurando uma pequena sacola de couro. O som das moedas dentro parecia deslocado no momento, como um lembrete de uma promessa feita em tempos mais esperançosos.
— Isto não diminui a dor... mas é o que eu prometi a Romeu. — Disse ele, com os olhos marejados.
Roman segurou a sacola, mas seus olhos se fixaram em Celdo Mazzaro. A dor e a vergonha se misturavam nos traços do homem, que não conseguia sustentar o olhar. Foi então que Roman se aproximou e, com a voz trêmula, falou com firmeza surpreendente:
— Os nossos filhos foram, Sr. Mazzaro. Eles foram gigantes. No campo de guerra e no amor.
As palavras atingiram Celdo com a força de uma flecha certeira. Ele sentiu as pernas fraquejarem.
— O Romeu me escrevia todos os meses. Fui eu quem sugeriu Costa Estrela. Lá ele poderia viver seu amor sem medo. Nós... nós queríamos ajudar da forma que fosse possível...
As palavras desapareceram em meio aos soluços de Celdo. Seu corpo tremia. Pela primeira vez, ele sentia o peso real de tudo o que havia negado ao filho. Ramon, o irmão mais velho de Julius, aproximou-se e o abraçou com firmeza. A diferença de altura entre os dois era grande, mas naquele instante não havia barreiras, apenas dor compartilhada.
— Eles foram felizes, Celdo. — Murmurou Roman, com os olhos fechados. — Mesmo com tão pouco tempo, foram felizes. Nós, pais, acreditamos saber o que é melhor, mas o tempo nos ensina. Leve isso com você. Não como castigo, mas como chance de ser melhor.
Após a cerimônia, os amigos mais próximos seguiram para a praia de Framon. O sol se escondia por trás das nuvens, deixando o céu com tons acinzentados que combinavam com o luto de todos. As ondas batiam nas pedras com uma cadência suave, como se o mar também chorasse.
Cássia foi a primeira a encontrar forças para falar. Ela segurava um colar que Romeu havia lhe dado durante a juventude.
— Primeiro, quero agradecer a todos vocês por não desistirem de nós. — Disse, com a voz embargada. — E segundo, pedir que Julius e Romeu sigam juntos nesta jornada chamada eternidade.
Clarissa a seguiu, firme apesar do coração partido.
— Julius e Romeu eram mais que nossos amigos. Eram a melhor parte de nós. Eu tive o prazer de torcer por esse amor. Eles... eles me ensinaram tanto. A falta que fazem é imensa.
Mitty, agora mais silencioso e contido do que nunca, limpou as lágrimas antes de falar.
— Eu fui o mais injusto. — Confessou. — Quando a flecha me atingiu, desejei que fosse fatal. Eu queria que a dor acabasse ali. Mas agora, entendo que minha missão não terminou. Eu prometo... serei digno da amizade deles.
Catherine, abraçada a Clarissa, mal conseguiu articular palavras.
— O amor de vocês nunca será esquecido. — Conseguiu dizer, antes de ceder às lágrimas. — Obrigada por ser nossa família, Julius. E Romeu... protege esse menino.
Bartolomeu foi o último a falar. Com passos lentos, aproximou-se da areia molhada.
— Lembro da primeira vez que vi o Julius. Romeu já estava no quarto, cuidando dele. — Sorriu, ainda que a tristeza tomasse seu rosto. — Pegamos para nós a missão de cuidar dele... E agora, Framon é a nossa missão. Devemos continuar por eles.
Cinco anos se passaram desde aquela tarde. As lembranças de Romeu e Julius persistiam como brasas acesas no coração dos que os amaram. Para alguns, o tempo suavizou a dor. Para outros, como Celdo, ela se transformou em reflexão e arrependimento.
Naquela tarde ensolarada de janeiro, os cidadãos se reuniram na praça principal de Framon. As ruas estavam limpas, decoradas com faixas coloridas que celebravam as mudanças recentes. No palácio, um lacaio real fez soar sua voz:
— Atenção! Hoje celebramos um novo ciclo de conquistas para Framon. Com vocês... o Rei Mitty!
As trombetas soaram com entusiasmo exagerado, assustando o jovem mensageiro, que manteve a pose com dificuldade. Na sacada do palácio, o novo rei surgiu.
Mitty estava diferente. A capa de veludo vermelha e a pesada coroa contrastavam com o jovem que outrora temia assumir qualquer responsabilidade. Havia um brilho sereno em seus olhos — o brilho de alguém que aprendeu com a dor.
— Obrigado. — Agradeceu o novo rei de Framon, acenando para a multidão. — O apoio de vocês é de suma importância. Nestes anos, aprendi muito... sobre governar, sobre justiça... e sobre mim mesmo.
Fez uma pausa. Por um momento, seu olhar se perdeu no horizonte, onde o mar encontrava o céu.
— Aprendi que a força dentro de mim pode erguer montanhas. Mas não aprendi isso sozinho. Romeu, Julius... este reino existe porque vocês existiram. — Olhando para cima. — Hoje, e para sempre, Framon será um lar para todos os que amam.
E naquele instante, uma leve brisa passou por entre os arcos da praça, trazendo consigo o cheiro do mar e algo mais. Uma sensação de presença. Como se, por um breve momento, Julius e Romeu estivessem ali — sorrindo.
Entre os súditos, o Rei Mitty reconheceu um grande amigo e aliado: o Conde Bartolomeu Mazzaro, que havia se casado com Clarissa. Viviam felizes com seus dois filhos, Julius e Klaudo.
— A cabeça do Mitty não parece maior com essa coroa? — Perguntou Bartolomeu à esposa, que cobriu o sorriso com a mão.
— Amor, deixe o Mitty. Você sabe que ele detesta usar essas roupas formais — Respondeu Clarissa, sustentando uma barriga de sete meses. — Em vez de implicar com o Rei, deveria pensar no nome desta criança que vai nascer.
— Já falamos sobre isso. — Lembrou Bartolomeu, passando a mão gentilmente na barriga da esposa. — Se for mulher, será chamada Sarah. Caso contrário, homenageará o meu grande amigo: Romeu.
Ainda durante o discurso, o Rei de Framon afirmou que a inteligência sempre supera a força, e olhou para o lado, onde estava a mulher mais linda do reino. No mesmo ano em que se tornara rei, ele também se casara com Catherine Mazzaro, que assumiu a responsabilidade de conectar Framon ao universo mágico. Inclusive, foi ela quem criou uma escola para crianças dotadas de dons especiais.
Na noite anterior ao discurso, Mitty entregara o texto à esposa para que ela o analisasse. Faziam isso com frequência, pois Catherine temia que o marido cometesse alguma gafe. Como era o primeiro ano de casados, mantinham a chama da paixão acesa e esperavam que um herdeiro logo viesse aumentar a família
— Compreendi que é preciso se reinventar todos os dias. Deixar para trás conceitos e aprender a aceitar tudo aquilo que é diferente de mim — Continuou Mitty, com um aperto no coração ao recordar as vezes em que destratara Romeu e Julius.
Para amenizar a culpa, ele propôs aos pais de Julius, Celdo e Melody, uma parceria para criar o Abrigo RJ, destinado a jovens expulsos de casa por amarem pessoas do mesmo sexo. Para comandar o projeto, Celdo abriu mão do Centro de Batalhas e o entregou a Bartolomeu.
Diariamente, o abrigo recebia diversos jovens em situação de abandono. Em cada um deles, Celdo enxergava um pouco de Julius — e isso aliviava o peso em sua consciência. Melody e ele levaram um susto com uma gravidez não planejada, mas resolveram contrariar as recomendações médicas e seguir com a gestação.
— Mas vocês sabem qual foi a principal lição que aprendi? Aprendi a não desistir dos meus sonhos. A lutar — e, se cair, levantar quantas vezes for necessário. Aprendi que o meu melhor talvez nunca seja o suficiente, mas, se eu tentar de verdade, ele será digno. Por isso, enviei para os quatro cantos dos reinos uma mensagem de esperança. Para que todos aqueles que são excluídos possam vir para Framon. Iremos dar abrigo e oportunidades para crescer. Contamos com a sua ajuda. Você. Você que está aí é o personagem principal dessa história. Não desista. Lute. E busque o seu final feliz. Povo de Framon, hoje inauguro a Praça Julius e Romeu. — Anunciou o Rei Mitty ao fim de seu discurso encorajador.
Os guardas então revelaram uma obra de arte que emocionou a todos: uma bela estátua de Romeu e Julius abraçados, no momento em que deram suas vidas por Framon. Aquela imagem serviu de inspiração para muitos jovens, que não precisavam mais esconder seus sentimentos. Foi preciso amor e sacrifício para mudar a visão das pessoas. E o sacrifício não foi em vão.
***
O céu estava tingido de um dourado suave quando Melody atravessou os limites da floresta encantada. As árvores, altas como torres antigas, sussurravam segredos ao vento, e o ar era impregnado por um perfume doce de flores silvestres e folhas orvalhadas. Seus passos não faziam ruído algum, como se a própria terra reconhecesse o retorno de uma filha.
Ela seguiu por um caminho estreito coberto de musgo até chegar ao Santuário das Ninfas — um círculo natural de pedras cobertas de líquen, onde a luz do sol filtrava-se entre as copas em feixes dourados. No centro, repousava uma fonte cristalina, cujas águas cintilavam com a energia do tempo e da vida. Ali, sobre um pedestal de raízes entrelaçadas, estava sua bola de cristal — um orbe pulsante, vivo, que refletia não o mundo como era, mas como poderia ser.
Melody ajoelhou-se diante dela. Quando pousou as mãos sobre a superfície da esfera, vislumbres surgiram: Romeu e Julius, separados pelo destino, mas carregando ainda as marcas um do outro no coração. Ela viu os olhares perdidos, os gestos inconscientes de quem procura algo que já amou.
Um sussurro suave como vento entre folhas a envolveu. E então, das sombras entre as árvores, surgiu uma figura envolta em luz esmeralda — a Mãe Natureza, radiante e serena, com cabelos que se confundiam com cipós floridos e olhos que continham o brilho de mil auroras. Ela sorriu para a filha.
— Retornou, minha pequena essência do mundo? — Perguntou a Mãe, aproximando-se com passos silenciosos. — O que o teu coração deseja? — Melody ergueu o olhar, firme.
— Desejo entrelaçar os caminhos de dois corações. Eles foram partidos por tempos e medos. Mas ainda existe ternura entre eles... eu vi.
— Romeu e Julius? Sinto muito pela sua perda, filha. — Lamentou a Mãe Natureza.
A Mãe Natureza tocou a testa da filha com ternura, e por um momento, toda a floresta pareceu prender a respiração. Com um gesto delicado, Melody traçou runas no ar, que brilharam como estrelas, e então murmurou palavras em uma língua antiga, esquecida por quase todos, exceto pela terra e pelas águas.
— Pelo amor que nutre, pelo carinho que cura, pela ternura que une, que os fios do destino se entrelacem. — Sussurrou.
Quando o encantamento foi lançado, a bola de cristal emitiu uma luz quente e suave. As imagens de Romeu e Julius se aproximaram na névoa da visão, como se chamados por uma força maior. Um fio dourado brilhou entre os dois — tênue, mas pulsante, vivo.
A Mãe Natureza assentiu com sabedoria.
— Que assim seja, filha do coração. O destino pode ser soprado como folhas ao vento... mas há magia suficiente no amor verdadeiro para guiá-los até onde precisam estar.
Melody sorriu, e pela primeira vez em muito tempo, sentiu o peso da esperança brilhar com intensidade dentro de si. O reencontro estava próximo.
— Por favor... — pediu Melody, manipulando sua bola de cristal na esperança de encontrar respostas sobre o futuro. Chorou ao receber a visão. — Eles vão se reencontrar. Obrigada... Eles vão se reencontrar.
***
'Cause all of the stars are fading away
Just try not to worry, you'll see them someday
Take what you need, and be on your way
And stop crying your heart out
***
MIL ANOS DEPOIS
NARRAÇÃO: RÔMULO MAZZARO RIZZI
Eu definitivamente odeio aglomerações. Não entendo como alguém pode gostar de estar espremido entre milhares de pessoas suadas, gritando palavras de ordem, sambando ou tirando selfies com purpurina no rosto. Não é julgamento — bom, talvez um pouco —, mas é que simplesmente não é pra mim.
Infelizmente (ou felizmente?), prometi aos meus pais que iríamos à Parada do Orgulho LGBTQIA+ de Framon. E promessa feita ao Seu Celso Mazzaro, Major do Exército Framense, é praticamente um contrato assinado com sangue.
Desde que me assumi, meu pai parece determinado a ser o pai perfeito de um filho gay. Se isso existe, ele quer esse troféu. Não me entenda mal — tenho plena consciência de que sou sortudo. Quantos filhos por aí são expulsos de casa? Apanham? Vivem escondidos? O meu pai me abraçou e disse: "Então vamos pintar a casa com arco-íris, filho." Literalmente. A parede da cozinha tem um mural que diz Amor é amor, com unicórnios e tudo. Pintado por ele.
Naquela manhã nublada, tudo cheirava a corante alimentício e empolgação. Dona Mariah — ou só mãe, como prefiro chamá-la — estava vestida com um avental manchado de glacê e glitter comestível, decorando os cupcakes mais feios do universo. Sério, pareciam acidentes de trânsito confeitados. Mas, juro, o gosto era incrível.
Mamãe também confeccionou camisetas personalizadas. A frase? "MEU FILHO É GAY, E TÁ OK!" em letras garrafais. Era como se o mundo precisasse saber. Como se ela gritasse pra compensar os anos de silêncio. Eu agradeço. De verdade. Mas ao mesmo tempo... me sinto sufocado.
Enquanto observava minha mãe pintando cartazes com um sorriso no rosto, papai montava a mochila da missão: água, frutas, protetor solar. "Nunca confie num dia frio," ele sempre diz, como se fosse uma máxima militar. E eu, ali no meio daquele amor todo, me sentia deslocado. Como se esse esforço todo fosse uma desculpa. Um pedido de desculpas que nunca veio em palavras.
Clara diz que eles estão tentando reparar algo. Algo que fizeram comigo... ou com outro eu. É bizarro. Mas, sinceramente, eu meio que acredito. Tem a ver com os sonhos.
Todas as noites, eu vejo aquele garoto. O garoto dos olhos de lince.
Ele nunca fala. Só me observa. Seus olhos são castanho-claros, intensos, melancólicos. Uma tristeza tão profunda que me desperta com o coração disparado. Dei a ele o nome de Lince — pelos olhos, óbvio.
Certa vez, no sonho, ele me deu a cabeça de uma caveira e uma rosa vermelha. Estávamos em um piquenique, no meio de um campo florido. Ele sorria. Eu acordava confuso. Contei pra Clara, e ela achou poético. Fez um desenho. Tatuagem instantânea no braço esquerdo. Está aqui até hoje.
— Bom dia, família! — Clara apareceu na cozinha como um furacão com cheiro de lavanda e glitter.
Ela trazia mais bandeiras, adereços e, claro, o caos que sempre carregava com estilo. Mamãe nem levantou os olhos da cartolina.
— Trouxe as tachinhas? — perguntou ela, concentrada como uma artista preparando sua grande obra.
— Claro, Dona M! — Respondeu Clara, com aquele sorriso que me fazia esquecer do peso do mundo.
Clara... Se eu fosse hétero, teria me casado com ela. A nossa história é intensa. Vivemos altos e baixos no ensino médio. E apesar das loucuras com sua irmã gêmea, Cassandra — que sempre me enganava fingindo ser ela —, Clara sempre foi a minha constante.
Naquele dia, ela usava duas tranças e uma maquiagem colorida que realçava sua pele morena. Estava linda. Linda de um jeito que machucava.
— Não está animado, Rô? — Ela perguntou, mexendo no meu cabelo.
— Claro. — Menti. Fingi entusiasmo com a empolgação de uma folha seca.
— Para. Vai que você encontra os Olhos de Lince? — Ela sussurrou, mas meu pai ouviu. Ergueu uma sobrancelha. Minha mãe parou de pintar. Silêncio. Clara riu nervosa. — Menino... Não gostei dessa cor! — Bagunçou meus cabelos, desviando o assunto com maestria.
A culpa era do Lince. Mudei meu cabelo por causa dele. Quis copiar aquele loiro dos sonhos. Resultado? Quase todo meu salário do estágio foi pro ralo. Ainda restaram umas mechas estranhas. Mas, por mais ridículo que pareça, me senti mais próximo dele.
— Que horas a gente sai? — Perguntei, querendo fugir daquele constrangimento.
— Quinze minutinhos, filhote. — Respondeu mamãe, costurando tachinhas na sua antiga jaqueta jeans com o cuidado de quem borda uma memória.
Voltei pro quarto. Deitei na cama. Mãos atrás da cabeça. Pensamentos em redemoinho.
Clara deitou ao meu lado. Começou a falar sobre o chefe insuportável do estágio. Ela cursa arquitetura, uma das melhores universidades de Framon. Já eu... estou na Escola de Polícia. Ironia? Talvez. Mas gosto da rotina, da disciplina. E preciso pagar minhas contas. Trabalho na academia de um amigo. Vida dupla. Cansaço triplo.
— Sinto falta da gente. — Ela confessou, sem me olhar. Não era do estilo dela.
— Eu também. Tem dias que eu choro trancado no banheiro. — Confessei. E ela, surpresa, me olhou. — Calma, posso explicar. Lembra da teoria das vidas passadas?
— Lembro. Inclusive, procurei os teus antepassados. Nenhuma pista do Lince.
— Mas, eu sonhei que meus pais eram os pais dele.
Silêncio. O tipo que pesa.
— Eu te falei. Talvez fizeram algo terrível com ele... com você. E agora, sem saber, tentam compensar.
— Mas e se for verdade? E se... eu fui outra pessoa? Como perdoo quem sou agora por algo que nem vivi?
— Framon já teve magia. — Lembrou ela, firme.
— Há milhares de anos. Tudo sumiu nas guerras mágicas. Os seres mágicos foram embora. Não os culpo.
— Mas lembra da mulher que dizia ser uma fada? E aquele garoto que achou uma tumba com um retrato idêntico ao dele?
Ela sempre tem um argumento. Sempre. E talvez seja por isso que eu a ame tanto. Um amor que não precisa de desejo. Um amor de alma.
— Crianças! — Gritou papai, entrando triunfante com a camiseta "MEU FILHO É GAY, E TÁ OK!"
Clara riu e tirou uma foto.
— O senhor é uma graça. — Minha amiga deu corda, mostrando a foto. — Quero uma camiseta dessa!
— Nem sonha. — Falei, já pegando o casaco e amarrando na cintura.
Era hora de enfrentar a multidão. E talvez, quem sabe, encontrar os olhos de Lince pela primeira vez fora dos meus sonhos.
***
NARRAÇÃO: JULIANO BELLINI SARTORI
Puta merda! Não ouvi o despertador tocar. Estou atrasado. Ou melhor — lascado. A luz do quarto já estava clara demais pra ser desculpa de madrugada, e minha cabeça ainda tentava se desprender daquele sonho. Tudo aconteceu rápido: enfiei um pão seco na boca, lavei o cabelo na pia como quem tenta salvar o pouco de dignidade que ainda resta e vesti o suéter mais velho que tenho — aquele que já deveria ter virado pano de chão —, uma calça jeans puída e o cachecol tricotado pelo meu avô, presente de um Natal em que ainda se ouvia risadas de verdade naquela casa.
Não sou a melhor pessoa do mundo, mas também não pareço um zumbi desesperado saído de um apocalipse. Quer dizer... talvez só um pouco.
Mas a culpa não era minha. Sonhei de novo com o TDB — o "Tudo de Bom". É assim que chamo esse cara que insiste em aparecer nos meus sonhos. Não sei o nome dele, não sei de onde vem, só sei que ele chega, me encanta, e vai embora antes que eu possa dizer "fica". No começo, eu acordava chorando. Agora, só acordo com o coração apertado, mas já aprendi a conviver com isso. Ele virou parte da minha rotina noturna, como escovar os dentes ou colocar o celular pra carregar.
Moro num prédio antigo que pertence ao meu avô, o Seu Nicolau. Um homem que foi rei das pistas, o tal "Rei das Corridas", até um acidente trágico roubar tudo — os sonhos dele, meus pais e a minha avó. Desde então, o prédio virou abrigo da família que restou.
— Bom dia, Klaudo — falei, me aproximando do aquário que ocupa quase metade do meu quarto. Meu sapo de estimação vive ali, num cenário medieval completo com castelinho, pontes e até uma miniatura de dragão. Gastei todo o dinheiro do meu estágio neste aquário. Coisa de maluco? Talvez. — Hoje o papai vai sair, mas vai deixar essa comidinha nutritiva. Não apronte, hein?
Desci as escadas correndo, porque não temos elevador, claro. E, como sempre, foi uma péssima ideia. Ainda na metade, tropecei no cadarço do meu próprio tênis e saí rolando como um barril desgovernado. A queda só não foi mais dolorida porque, por um milagre divino, Dona Amora subia com um colchão e amorteceu meu voo.
— O que aconteceu? — Perguntou, ainda tonta, deitada no chão do térreo.
— Dona Amora! — Exclamei, tentando me levantar com dignidade. — Perdão, me perdoa mesmo...
— Garoto desastrado. — Resmungou, arrumando os óculos e pegando o colchão do chão. — Teu avô já falou que não é pra correr nas escadas.
Sou um desastre. Um vendaval em forma de gente. Acho que é por isso que o Vô Nico me colocou no quinto andar, longe do movimento. Ele mora no primeiro com meus primos: Katri, Baltazar e Michel. Depois do acidente, viramos inseparáveis. Irmãos de escolha, de dor e de sobrevivência. O apartamento dele ficou pequeno, e fizemos um sorteio pra ver quem se mudava. Adivinha quem ganhou?
Apesar de amar meus primos, preciso de um espaço só meu. Principalmente à noite, quando, segundo o Mich, fico murmurando o nome do TDB dormindo, como quem chama por um fantasma.
— Bom dia, família! — Anunciei ao abrir a porta do apê do vovô. O cheiro de café fresco e pão na chapa me acolheu como um abraço.
— Boa tarde, né? — Retrucou o Vô Nico, com seu sarcasmo matinal afiado. Ele estava jogado na poltrona, zapeando a TV como quem procura sentido na vida. — Não é hoje que tem aquele desfile da dignidade LGBVXS?
— Não, Vovis! — corrigiu Katri, com a impaciência dos eruditos. — É Comunidade LGBTQIA+.
— E qual tua letra, Juliano? — Perguntou ele, largando o controle no braço da poltrona e me olhando por cima dos óculos.
— Sou o G, vô. Eu sou gay. — Respondi, já acostumado com essas investidas, sentando no sofá.
— Só um minuto, Juh. — Pediu Baltazar, concentrado no celular.
— Ih! Lá vem... — Comentou Mich. — Com certeza foi barraco com a bruxa da namorada.
Acertei na mosca. A criatura surtou quando soube que Baltazar ia me acompanhar na Parada do Orgulho. Mas azar o dela. Esse evento é nosso. Um ritual. A primeira vez fomos com o vovô, que depois disse que era coisa de jovem. Desde então, virou tradição entre nós quatro. Este ano será especial. O Baltazar vai se mudar pro exterior, então essa precisa ser inesquecível.
E vou te contar... tô afim de meter o pé na jaca. Não beijo há três anos. Minha última pesquisa no Google foi: "É normal um jovem de 18 anos nunca ter beijado?". Pois é. Prioridades: curso de Direito, bolsa integral, e pressão do vovô pra sair com notas impecáveis. Amor? Paixão? Vêm depois.
Seguimos rumo ao centro da cidade no "Lata-Velha", o carro do Baltazar, que só anda porque tem fé no motor. No caminho, vi a cidade mudar de cor. As ruas começaram a se encher de brilho, bandeiras, pessoas sorrindo, abraçadas, dançando. Era como se, por um dia, o mundo deixasse de julgar e só celebrasse.
Estacionamos numa área reservada e Katri já puxou sua mala de maquiagens artísticas, pronta pra nos transformar. Ganhamos glitter, cores e delineado com precisão cirúrgica.
— Cara, eu adoro a Parada! — Falei, olhando meu reflexo no espelho retrovisor.
Ali, vestido de mim mesmo, com as cores da bandeira na pele e os olhos brilhando de emoção, me senti completo. Vi famílias inteiras, drag queens deslumbrantes, casais de mãos dadas sem medo. Senti que fazia parte de algo maior. Que não estava sozinho.
Por um instante, desejei que o TDB fosse real. Que estivesse ali no meio da multidão. Quem sabe?
Mas até ele aparecer de verdade — se é que um dia aparece —, tenho minha família, meus amigos e um mundo inteiro pra conquistar.
Hoje, eu sou o G. E estou orgulhoso disso.
***
NARRAÇÃO: RÔMULO MAZZARO RIZZI
Eu odeio a parada LGBTQIA+. E não é por vergonha ou por ser contra quem eu sou — é só que... parece tudo tão hipócrita. Uma gritaria cheia de arco-íris, purpurina e discursos vazios que não mudam nada. Gente demais querendo ser vista, mas pouca disposta a olhar de verdade. Talvez eu só esteja de mau humor. Clara percebe e me cutuca, pedindo mais entusiasmo com os olhos.
Dou um sorriso falso. Acho que pareço mais emburrado do que um gato molhado.
Nunca vi tanta bandeira colorida em um só lugar. Vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, roxo... um arco-íris ambulante e pulsante por todos os lados. Mas, cara, a pior parte é o glitter. Por que glitter? É como se a cidade inteira estivesse passando por um surto de purpurina. Fico só torcendo pra que, pelo menos, seja ecológico. As tartarugas agradecem.
Um grito estoura perto de mim, e eu quase pulo de susto. Um rapaz se joga nos braços de um grupo usando collants rosa-choque e saias de tule que mais parecem ter saído de um desfile intergaláctico. Eles gritam, dançam, choram, riem... tudo ao mesmo tempo. A alegria deles é tão escancarada que chega a doer em quem não sabe mais ser feliz assim.
Na minha frente, as caixas de som despejam "Firework", da Katy Perry, como se fossem pregar uma doutrina de autoaceitação e brilho interior. Algumas pessoas dançam com os olhos fechados, outras só balançam copos de plástico e corpos cansados. Eu abro o cooler estilizado — valeu, mamãe — e pego uma cerveja. Talvez o álcool ajude a tornar essa experiência menos... intensa.
Papai aparece ao meu lado, estampando no peito uma camiseta branca onde se lê, com letras coloridas e firmes: "MEU FILHO É GAY, E TÁ OK!". O pior? Ele está fazendo stories. No Instagram. Em público. Meu pai, o mesmo que até ontem mal sabia abrir o WhatsApp. Agora fala com a câmera com mais segurança que apresentador de reality. Me pergunto se isso é amor ou loucura.
Quando olho para a esquerda, o tempo para. Lá está ele. Os olhos. Os olhos de Lince. Não pode ser.
A cerveja, que ainda estava na minha boca, sai em forma de jato. Cuspo tudo no chão como um idiota.
— Filho? — Papai pergunta, parando a gravação e virando a câmera pra mim, agora com preocupação.
— Rômulo? — Clara segura meu ombro. A preocupação no olhar dela me diz que minha cara deve estar um misto de pânico e revelação bíblica.
— O Olhos de Lince está aqui. — Murmurou, quase sem ar. A garrafa escorrega da minha mão e cai. O barulho parece distante.
Saio em direção a ele. As pessoas viram vultos coloridos. A música vira eco. O mundo ao redor some.
— Olhos de quê? — Escuto meu pai atrás de mim, confuso. Ele, mamãe e Clara vêm logo atrás, como uma pequena comitiva de apoio emocional.
Como é possível? Depois de anos sonhando com esses olhos, depois de noites em que eles surgiam na minha mente como lampejos de algo perdido... ele está aqui. Em carne, osso e glitter. Mas... como vou me aproximar? E se ele não me reconhecer? E se eu for só mais um rosto na multidão pra ele?
As perguntas se atropelam na minha mente na mesma velocidade que meu coração parece querer sair pela garganta. Esbarro em algumas pessoas, derrubo copos, ouço reclamações abafadas. Não peço desculpas. Não consigo.
Ele está de costas. Cabelos castanhos, um pouco mais longos do que eu lembrava — se é que o que lembro é real. Cada passo que dou é como um salto no escuro. E então acontece.
A lembrança.
Não sei se é uma visão, um sonho ou algo mais estranho. Por um instante, não estou mais na parada. Estou em volta de uma fogueira. Ele está lá. Clara também. E mais três pessoas. Rimos. Cantamos. Celebramos algo maior do que nós. E aquele sentimento... de pertencimento. De lar.
Minhas pernas enfraquecem. Tento continuar, mas travo. Fico ali, imóvel. Os olhos marejam, e as lágrimas caem sem permissão. Meus pais e Clara me olham, atônitos, sem saber se me seguram ou me deixam viver aquilo sozinho.
Eu quero gritar. Dizer o nome dele. Correr, abraçar, perguntar tudo de uma vez. Mas minha voz não sai. Estou preso dentro de mim. Então, como um raio de coragem, Clara age. Ela corre, firme, determinada, e o vira em minha direção. E ele me vê. E os olhos de lince me encaram.
***
NARRAÇÃO: JULIANO BELLINI SARTORI
O ar parecia rarefeito. Eu nem sabia se estava respirando direito quando vi o TDB — ali, parado, diante de mim, como uma pintura que se recusa a desbotar com o tempo. Minhas mãos tremiam, e o copo de plástico que eu segurava escapou, caindo ao chão com um estalo seco. Mas, ao contrário do som, tudo dentro de mim era barulho. Uma explosão. Um vendaval de lembranças que eu nem sabia que tinha.
Meus pés se moveram por impulso. Era como se meu corpo tivesse vida própria, atraído por uma força invisível, inevitável. Me aproximei. Toquei seu rosto.
Era igual aos meus sonhos. Cada detalhe. O maxilar quadrado, a pele quente e firme sob meus dedos. Um calor estranho percorreu minha coluna, como se algo antigo estivesse despertando dentro de mim — uma parte que eu nem sabia que existia. Ou melhor, que existiu. Antes.
— Eu prometi que ia te encontrar — Ele disse, com a voz embargada. Seus dedos tocaram minhas lágrimas como se soubessem exatamente onde estavam.
— Não era um sonho? — Minha garganta se apertou.
— Minha amiga disse que somos almas gêmeas. — Ele riu e chorou ao mesmo tempo, como quem se reencontra com uma metade perdida. — Eu sonho contigo há anos. Os seus olhos são as coisas mais lindas que já vi.
Fiquei em silêncio por alguns segundos. Uma dor doce me apertou o peito. Algo entre a saudade e o alívio.
— Vidas passadas? — Perguntei, hesitante, quase sussurrando.
— Sim. — Ele confirmou, e sua mão encontrou meu rosto com uma ternura quase reverente. — Eu te conheço de outra vida. Hoje, eu me chamo Rômulo.
— Eu sou o Juliano. — respondi, ainda tentando me convencer de que tudo aquilo era real. — Eu... não acredito que, finalmente, te conheci. A melhor parte do meu dia era justamente quando sonhava contigo. Me dava forças... principalmente quando perdi meus pais.
Ele sorriu, e aquele sorriso tinha o poder de curar algo que eu não sabia que ainda doía. Então, ele puxou a manga da camisa com entusiasmo.
— Olha! — Exclamou, revelando uma tatuagem de caveira com uma flor ao lado. Fiquei estático.
— Eu não acredito... — Toquei o desenho com os dedos, sentindo a textura leve da pele sob a tinta. — Te dei isso na tenda, né?
— Sim. — Ele riu, os olhos brilhando como os de uma criança diante de um milagre. — Eu ainda não acredito que te encontrei.
— Nem eu... É surreal.
Nos olhamos por um tempo que pareceu eterno. O mundo ao redor deixou de fazer barulho. Era como se estivéssemos num limbo sagrado, onde só existiam os nossos olhos e as palavras que pairavam entre nós.
— Juliano... posso te beijar? — Perguntou ele, colocando as duas mãos no meu rosto.
Senti meu coração parar por um instante. Depois, acelerar.
— Eu pensei que não ia perguntar.
O beijo veio como um raio. Avassalador. Fervente. Aconchegante. Era tudo ao mesmo tempo. A boca dele encaixou na minha como se estivéssemos destinados a isso desde sempre. Como se nossas almas tivessem passado séculos treinando para aquele exato momento.
Ainda bem que estávamos em um lugar seguro. Porque, sinceramente, não sei o que faria se tivesse que conter aquilo. O beijo dele tinha gosto de lar.
A voz que nos interrompeu veio como uma brisa gelada numa tarde quente.
— O que está acontecendo aqui? — Perguntou Katri, confusa, olhando para o grupo atrás do Rômulo.
Uma moça morena, com tranças longas e um brilho divertido nos olhos, respondeu com um sorriso de quem já viu de tudo:
— Ah, menina. Uma história louca.
Um homem alto, de camiseta branca com letras azuis vibrantes que diziam "Meu filho é gay, e tá ok!", se aproximou com expressão curiosa. Seus olhos estavam marejados, e havia uma ternura silenciosa na forma como olhava para nós dois.
— Eu gostaria muito de saber. — Ele disse, e naquele instante, eu soube. Aquele era o pai do Rômulo. E ele estava ali. Inteiro. Presente. Com o peito aberto para o amor do filho.
Senti meus olhos arderem de novo.
Talvez fosse isso que o destino queria me mostrar o tempo todo: que o amor verdadeiro não se esquece. Ele apenas espera.
***
Nós somos todas as estrelas
Nós estamos desaparecendo
Apenas tente não se preocupar
Você nos verá algum dia
Apenas pegue o que você precisa
E siga seu caminho
E pare de chorar tanto
FIM!!!!