O papel de um líder torna-se ainda mais evidente em tempos de guerra. Ele é o elo que une os ideais e as ações, o fio condutor entre a esperança e a estratégia. Naquela manhã nublada, envolta por névoa e silêncio, Bartolomeu sentia o peso dessa responsabilidade pairar sobre seus ombros. Era hora de enfrentar algo que não se resolvia com espadas ou mapas: as tensões internas.
Aproximou-se de Mitty, que tomava um gole de água de seu cantil, sentado calmamente sobre uma rocha úmida.
— Mitty. Podemos conversar?
O príncipe ergueu os olhos e respondeu com naturalidade.
— Claro, amigo. — Deu um leve gesto com a cabeça e apontou para uma pedra próxima. — Sente-se.
Bartolomeu assentiu, suspirando antes de se acomodar.
— É o seguinte... Sei que você não concorda muito com a situação do Romeu e do meu irmão, mas, por favor, peço que, pelo bem da equipe, tente se controlar ao fazer seus comentários. Eles estão dando um duro danado também.
Mitty olhou para o chão por um instante antes de responder, a voz firme e sem hesitação.
— Olha. Eu, realmente, não concordo e deixo a minha posição bem clara. Não se preocupe, eles não ficando no meu caminho.
A resposta direta deixou Bartolomeu inquieto. Ele tentou, mais uma vez, apelar para o bom senso do amigo.
— Vamos lá. Sei que você é uma pessoa do bem...
— Ser do bem não quer dizer que eu tenha que fechar meus olhos. Eles podem viver em Costa Estrela. Tem muitas pessoas iguais a eles lá. — Retrucou Mitty, preso a julgamentos e preconceitos que não cabiam mais no mundo em mudança à sua volta.
— Entendi. — Bartolomeu não insistiu. Levantou-se devagar, com um suspiro contido. Vamos partir em breve... com licença.
Havia sempre uma linha tênue entre o bem e o mal, mas quando diferentes verdades colidem, quem pode dizer qual delas carrega justiça? Mitty não era, em essência, alguém cruel. No entanto, o medo do que não compreendia fazia dele um terreno fértil para o erro. E alguém já observava essas rachaduras.
Muito longe dali, em uma torre envolta por névoas púrpuras, Cen observava tudo através de sua bola de cristal, os olhos cintilando com malícia.
— Hum... — Murmurou com um sorriso torto. — Quer dizer que existe uma ovelha negra no grupo dos “super amigos”? Quero ver até quando essa paz vai reinar!
Seu riso estridente ecoou pelas paredes, fazendo Aldo, o monstrinho de olhos grandes, se encolher ao seu lado.
— O que pretende fazer? — Perguntou ele, subindo na ponta dos pés para tentar espiar a bola mágica, sem sucesso.
— Eu não preciso destruir os super amigos. Eles mesmos farão isso por mim. — Disse Cen, girando os dedos sobre um frasco de lama negra. — Só preciso usar a poção certa...
Ela despejou o líquido viscoso no caldeirão fumegante, esperando pacientemente o desfecho que já começava a se desenhar.
Do outro lado da floresta, Catherine acordava com os chamados de Bartolomeu. Ainda sonolenta, desejou, em voz baixa, um café da manhã decente. Para sua surpresa, uma mesa surgiu à sua frente, repleta de alimentos frescos e apetitosos. Assustada, ela gritou pelos amigos, que logo se reuniram ao seu redor, perplexos.
Havia pão recém-assado, bolos perfumados, jarras de sucos, café quente e frutas vibrantes. O grupo se entreolhou, desconfiado. Seria um truque de Cen?
Bartolomeu deu um passo à frente, com cautela. Examinou cada item como se fossem armadilhas disfarçadas. Então, pegou uma maçã vermelha com a mão direita, contou mentalmente até três e deu uma mordida.
Silêncio.
Nada aconteceu, exceto pelo brilho nos olhos do rapaz.
— A melhor maçã que já comi... — Disse, surpreso.
Catherine, ainda intrigada, abriu rapidamente o livro de encantos herdado da avó. As páginas antigas revelavam segredos de um poder até então adormecido.
— Alguns desejos meus podem se tornar realidade! — Exclamou, os olhos brilhando.
Enquanto ela lia mais, os demais mergulharam no banquete. Mitty montou um sanduíche generoso com geleia de amoras, enquanto Bartolomeu saboreava um pedaço de bolo de nozes.
— Quem diria! — Disse Julius, com a boca manchada de mirtilo. — Fome não vamos passar.
Com os estômagos cheios, decidiram ficar mais um tempo no acampamento. Catherine queria entender melhor os seus poderes e Clarissa, animada, resolveu praticar os próprios feitiços. Bartolomeu deitou sob a sombra de uma árvore, aproveitando a brisa fresca. Já Mitty afastou-se em silêncio, carregando seu arco e algumas flechas.
E embora aquela manhã parecesse ter trazido alívio, as sombras ao redor continuavam se movendo. Porque mesmo a magia mais doce pode ser ameaçada por corações que ainda não aprenderam a aceitar.
O sol começava a se esconder entre as copas das árvores, tingindo a floresta de Framon com tons dourados. Por causa dos mirtilos, Julius resolvera se afastar do acampamento e seguir até o rio para se banhar. O calor e o suor cobravam seu preço, e a água fresca parecia o alívio perfeito.
Romeu, atento a cada movimento do amado, não pensou duas vezes antes de segui-lo. Seus passos leves o mantinham à distância suficiente para não ser notado de imediato. Já o príncipe de Framon, escondido entre as folhagens, observava a cena com uma expressão amarga.
— Agora sou obrigado a aguentar esses imorais... — Murmurou ele com desprezo, abaixando o arco e deixando a flecha cair no chão. — Espero que eles fujam para bem longe mesmo. Mariquinhas... — e, com um suspiro pesado e olhar fixo, desmaiou ali mesmo, consumido por suas próprias emoções.
Enquanto isso, a floresta escondia outras ameaças. Com a guarda baixa, o inimigo fez seu movimento. Mitty, distraído, mal teve tempo de reagir quando Cen soprou sobre ele um pó dourado. O jovem caiu no chão, inconsciente. O feiticeiro aproximou-se sorrateiro, pegou o cantil do príncipe e o encheu com uma lama negra e densa, que borbulhava de forma anormal.
— Espero que isso ajude a vossa alteza... — Ironizou Cen com um sorriso cruel, antes de desaparecer numa nuvem de fumaça púrpura.
Sem desconfiar do plano sórdido em curso, Julius mergulhava no riacho. A água gelada batia em sua cintura, e ele sentia o frescor aliviar os músculos tensos. Romeu o observava, encantado.
— Estamos indo contra tantas coisas... — Disse Julius, afagando a superfície da água, pensativo. — A minha família. A tua. E agora esse feiticeiro... Parece um pesadelo.
— Estamos juntos, meu amor — Respondeu Romeu, se aproximando. Com um gesto suave, tocou o rosto de Julius e o beijou. Mas o filho de Celdo logo se afastou, sem esconder o constrangimento.
— Romeu, o que é isso me cutucando? — Perguntou, corando, afastando-se com rapidez.
— Desculpa — Respondeu Romeu, rindo sem jeito. — Não posso evitar. Você faz isso comigo. Você... quer pegar?
A resposta veio em forma de um jato de água direto no rosto. A força da brincadeira foi tamanha que Romeu foi lançado e caiu sobre a copa de uma árvore próxima.
— Nossa! — Exclamou Julius, impressionado. — Romeu?! Romeu?!
— Aqui! — Romeu acenava do alto da árvore, rindo. — Que demais! Faz de novo!
Determinado a testar seus próprios poderes, Romeu se equilibrou sobre os galhos e saltou com tudo em direção a Julius. O impulso, no entanto, foi mais forte do que o esperado, e ele caiu do outro lado do riacho, espalhando água por todos os lados.
— Nossos poderes estão ficando mais fortes! — Gritou Julius, animado.
— Quase isso! — Respondeu Romeu, correndo de volta e o beijando novamente. Dessa vez, sem pressa, sem pudores.
— Olha. — Disse Julius, rindo e dando um soquinho no ombro de Romeu — Posso te mandar pra cima de uma árvore de novo, se quiser.
O clima leve e apaixonado foi interrompido por uma explosão ensurdecedora. Eles vestiram as roupas às pressas e correram na direção do acampamento. Uma densa fumaça verde cobria tudo. Julius buscava suas espadas, enquanto Romeu tentava entender o que havia acontecido.
Na clareira próxima, Bartolomeu e Clarisse apareceram, ambos confusos. O cheiro forte e a névoa espessa indicavam algo perigoso, e todos pensaram no pior: um ataque de Cen.
Mas quando a fumaça se dissipou, Catherine surgiu, toda chamuscada, os cabelos desgrenhados e a expressão entre surpresa e arrependida. Julius correu até ela.
— Querida! O que aconteceu aqui?
— Eu... eu estava tentando destruir a chaleira...
— Como?! — Bartolomeu tentou segurar o riso, mas falhou miseravelmente. — Por que, em nome dos deuses, você destruiria a chaleira?
— Vi um feitiço para criar bombas. — Respondeu ela, apontando para um livro milagrosamente intacto.
— Vamos tomar um banho. — Disse Clarisse, puxando a amiga para longe antes que mais alguma coisa explodisse.
Enquanto o caos se acalmava, Julius relatou ao irmão a parte mais “segura” da brincadeira no riacho. Nesse meio-tempo, Mitty despertava do sono induzido por Cen. Tonto, cambaleava entre as árvores até encontrar os amigos.
— Uau — Soltou ele, vendo Julius quebrar uma pedra com um único golpe e Bartolomeu escalar uma árvore em segundos. — Que droga de mosca! — Reclamou, sacudindo as mãos.
— Que mosca?! — Perguntou Bartolomeu, pulando da árvore, mas caindo de joelhos.
— Essa. — Respondeu Mitty, pegando o inseto no ar com reflexos espantosos.
— Que velocidade... — Murmurou Julius, tentando puxar assunto com o príncipe, sem sucesso.
— Valeu, mas não me surpreendo que meus poderes cresçam tão rápido. — Vangloriou-se Mitty, antes de pegar o cantil e tomar um gole da água envenenada.
Nas profundezas úmidas da masmorra de Cen, Klaudo distribuía o que chamava de "almoço" para os prisioneiros do feiticeiro. Apesar da aparência grotesca — olhos tortos, dentes pontiagudos e pele esverdeada —, o pequeno monstrinho servia a refeição com uma dedicação surpreendente. Seus movimentos eram precisos, quase elegantes, como se cozinhar para prisioneiros fosse uma honra. Melody observava tudo com atenção e, mesmo em um ambiente tão opressor, não conseguiu conter um breve sorriso de admiração.
O cardápio do dia destoava do cenário: frango ao molho de figos e arroz com uvas-passas. Assim que Klaudo deixou o recinto, Melody aproximou-se dos pratos com naturalidade e começou a comer, para espanto de Celdo.
— O que está fazendo, mulher? — Perguntou ele, franzindo a testa.
— Me alimentando, oras. Se surgir uma oportunidade de fuga, não quero estar fraca. — Respondeu, com convicção, a mãe de Julius. Sem dar espaço para contestação, forçou o marido e até mesmo o rei Nilo a comerem também.
— Essa comida pode estar envenenada... — Murmurou Celdo, desconfiado, olhando para a comida como se ela pudesse morder de volta.
— Querido, se Cen quisesse, já teria nos matado. Precisamos estar fortes para enfrentá-lo. E além disso, podemos contar com nossos filhos. Agora, coma, por favor. — Disse com firmeza, estendendo um prato ao rei.
Enquanto os adultos alimentavam o corpo e planejavam resistir, seus filhos avançavam a passos firmes pela trilha em direção a Kinopla. Já estavam há horas na estrada quando perceberam que o cansaço simplesmente não vinha. Um dos efeitos colaterais de seus poderes era a resistência física — algo que começavam a entender melhor a cada dia.
— Catherine — Chamou Bartolomeu, lançando um olhar para a irmã que ainda se recuperava da explosão de sua última tentativa mágica —, achou algo útil no livro ou ele só serve pra explodir panelas?
— Que engraçado... — Respondeu Catherine com sarcasmo, antes de usar sua mente para beliscar o ombro do irmão. Bartolomeu deu um grito de dor.
— Bruxa... — Resmungou ele, massageando o local atingido.
O grupo avançava em silêncio, até que Clarissa, com os olhos atentos, notou um rastro de fumaça no céu.
— Estão vendo aquilo? — Apontou ela, e antes que alguém pudesse responder, levitou no ar, atravessando a copa das árvores com leveza.
Lá de cima, a visão era clara. Um pôr do sol alaranjado banhava a paisagem, e entre as árvores, ela avistou uma vila — ou o que restava dela.
— Estou vendo uma cidadezinha... tem muita fumaça! — Gritou, flutuando como uma pena suspensa pelo vento.
— Será obra de Cen? — Perguntou Julius em voz alta, traduzindo o pensamento de todos.
— Ele quer deixar rastros. Está brincando com a gente. — Comentou Catherine, com um calafrio percorrendo-lhe a espinha.
— Vamos descobrir chegando lá. — Disse Mitty, assumindo a dianteira, firme.
O vilarejo parecia um campo de guerra. A caminhada até ele foi silenciosa, os pés dos jovens esmagando cinzas e gravetos. Quando chegaram à entrada, o cenário era desolador: casas queimadas, estruturas desmoronadas, o cheiro forte de madeira queimada e carne. Algumas figuras humanas começaram a emergir dos esconderijos, cobertas de sujeira, medo nos olhos.
Um senhor magro e ferido aproximou-se de Bartolomeu e, com a voz trêmula, contou o ocorrido. Um exército de mortos-vivos havia invadido o vilarejo e destruído tudo. Não restara pedra sobre pedra.
Mas o momento de lamento foi breve. Do nada, surgiram as caveiras — soldados esqueletos armados até os dentes. E com elas, uma nova aberração. Um monstro imenso, de pele escamosa, surgiu. Parecia um lagarto, mas com feições grotescamente humanas. Vestia uma armadura feita com ossos.
— O que foi, crianças? Não querem brincar? — Zombou a criatura, a voz grossa ecoando entre os escombros.
Julius sentiu o estômago revirar. O lagarto, com sua cabeça desproporcional e cauda erguida em posição de ataque, tocava um de seus maiores medos.
Sem tempo para hesitações, Bartolomeu assumiu a liderança.
— Julius, Romeu, Mitty, lidem com os esqueletos! Nós cuidaremos do lagarto!
Catherine hesitou, ainda traumatizada com a falha anterior. Lançou bolas de energia, mas elas mal arranharam a armadura do monstro. Enquanto isso, Julius e Romeu usaram a geografia a seu favor: correram até um lago próximo e atraíram os esqueletos para dentro da água. Com agilidade e astúcia, derrotaram vários inimigos de uma vez.
— Hoje eu tô de onda! — Gritou Julius, jogando água em uma caveira, que voou para longe e se despedaçou contra uma pedra.
Desobedecendo as ordens de Bartolomeu, Mitty decidiu enfrentar o lagarto sozinho.
— Não vou lutar ao lado de duas donzelas. — Murmurou antes de correr em direção ao monstro. Armou o arco e disparou uma flecha certeira no ombro da criatura, que rugiu de dor.
A cauda da besta chicoteou o ar e acertou Clarissa em pleno voo. Ela caiu sobre um fardo de feno e permaneceu imóvel.
— Droga, Mitty! — Gritou Bartolomeu, correndo até a amiga caída. — Catherine, Romeu, Julius! Agora, cuidem do lagarto!!!
Aproveitando a distração do monstro, os três se uniram. Romeu e Julius cravaram suas espadas no peito da criatura, enquanto Catherine, superando o medo, concentrou toda a energia e provocou uma explosão poderosa. Uma nuvem de poeira cobriu tudo, e quando se dissipou, o lagarto já não existia.
— Conseguimos! — Comemorou Julius, abraçando Catherine e Romeu. — A gente acabou com ele! Nossa, ele fez buuuum! — exclamou, abrindo os braços e, sem querer, acertando Mitty no ombro. — Desculpa!
— Qual é a tua? — Rosnou Mitty, cerrando os punhos.
— Ele já se desculpou. — Cortou Bartolomeu, segurando o braço do príncipe com força.
— Clarissa está bem? — Perguntou Mitty, com um tom forçado de preocupação. — Lamento agir impulsivamente, mas o lagarto estava distraído. Vi uma chance de feri-lo.
— Estou bem. — Respondeu Clarissa, tentando se sentar, com o cabelo preto coberto de feno.
O grupo respirava com dificuldade, cobertos de sujeira e cinzas, mas estavam vivos. E pela primeira vez, haviam vencido um monstro criado por Cen. A batalha tinha deixado marcas — algumas físicas, outras no orgulho —, mas também revelara do que eram capazes quando agiam juntos.
Mais uma vez, os moradores se reuniram na praça em ruínas e, como numa coreografia silenciosa, começaram a aplaudir os jovens heróis. As palmas ecoaram entre os escombros, como se cada batida fosse um agradecimento vivo. Naquela noite, em sinal de gratidão, o chefe do vilarejo lhes ofereceu abrigo e alimento. Uma das poucas casas que havia resistido ao ataque serviria como pouso provisório.
Cada membro do grupo recebeu um quarto, um gesto simples que parecia luxo diante dos dias de guerra. Mas, claro, Romeu não demorou a escapar em silêncio, deslizando pela madrugada até alcançar o quarto de Julius. Já não era surpresa para nenhum dos dois. A noite, para eles, era tempo de desabafo.
— Você viu o Mitty durante a luta? — Sussurrou Romeu, deitado ao lado do amado, encarando o teto escuro.
— Sim... — Respondeu Julius. — Ele congelou. Não sei se consegue suportar o peso dessa missão.
Ambos permaneceram em silêncio por alguns instantes, o temor crescendo entre as palavras não ditas. O príncipe, embora corajoso, poderia se tornar um obstáculo perigoso.
Enquanto isso, longe dali, o feiticeiro Cen caminhava entre as sombras úmidas da masmorra. Seus passos ecoavam frios, calculados. Ele estava ali por um motivo: testar os limites dos seus prisioneiros com mais um de seus jogos psicológicos.
Diante das celas, revelou com prazer que a equipe de Framon havia conseguido destruir uma de suas criaturas. A notícia não causava raiva — era puro combustível para o seu sadismo.
— Cen, pense bem. Você pode desistir deste plano. — Pediu Melody, com a voz cansada, tentando enxergar um desfecho sem mortes.
Mas o feiticeiro sorriu com escárnio.
— Você sabe que sua mãe entregou os talismãs aos filhos, não sabe? Cada segundo que passa, eles se tornam mais fortes... E todo esse poder, quando for meu, vai ser útil. Assim que pisarem aqui, mato um por um. — Seus olhos faiscaram. — O Julius, ah... Ele vai ser minha diversão especial.
Lampejou a língua na barra da grade e riu, insano.
— Fica longe do meu filho! — Bradou Celdo, tentando alcançá-lo com os braços, em vão. — Desgraçado! Eu vou te matar!
— Idiota. — Soltou Cen, erguendo a mão. Um fluxo escuro e sufocante envolveu Celdo, que caiu de joelhos, lutando para respirar. — Vai assistir tudinho, Celdo... Até eu arrancar a virgindade do seu filho. Com gosto.
— Por favor... — Implorou Melody, caindo de joelhos, as mãos espalmadas no chão de pedra fria.
Cen se aproximou das grades. Seus olhos faiscavam com a lembrança.
— Lembra do que eu fiz com o teu irmão, Melody?
— Monstro... Assassino... Vai pagar. Eu juro. — Respondeu ela entre soluços.
— Não caia na chantagem emocional. — Pediu o Rei Nilo, tentando ampará-la.
Cen apenas sorriu.
— Boa noite.
Com um estalo seco, desapareceu em meio a uma cortina de fumaça verde.
Celdo desabou. Chorava e arfava como se o ar tivesse se tornado veneno.
— Eu disse ao Julius que o odiava. Que ele era uma vergonha. Se algo acontecer com ele...
— O Julius é especial. — Disse Nilo, puxando o amigo para cima. — Sempre disse isso. Não importa o que ele escolha. Ele sabe que você o ama.
— Não é simples, meu rei...
— Você casou com uma ninfa e é feliz. Não existe amor errado, Celdo. O erro é do mundo, não seu. E eu me culpo também. Framon poderia ser como Costa Estrela, mas falhei.
— Não importa mais. — Celdo, furioso. — Ele vai matar nossos filhos!
Num acesso de raiva, socou a parede com força, ferindo os nós dos dedos.
Foi então que um som estranho invadiu o silêncio: aplausos. Ecoavam da escuridão, macabros. As portas da cela se abriram sozinhas, rangendo. Melody, como se estivesse em transe, atravessou o vão.
— Melody! — Gritou Celdo, correndo para detê-la, mas as portas se fecharam com um estrondo.
— Não se preocupe, Celdo. Melody só vai me ajudar em algumas coisinhas. Ela não vai se machucar, prometo. — Afirmou Cen com voz suave, cínica.
— Mestre Cen... — Murmurou Melody, submissa, sumindo ao lado do feiticeiro.
Celdo tentou forçar a porta, mas machucou ainda mais as mãos. Chorava, desesperado.
— Ele vai acabar com minha família...